segunda-feira, 18 de abril de 2011

Quem conta um conto, recria um mundo

Por Ailton Guedes
 
Sempre ouvi dizer que “quem conta um conto, aumenta um ponto”, referindo-se ao “detalhe a mais” que colocamos numa história quando a recontamos. Mas pensando no ponto de partida das histórias que recontamos, a memória, como algo ativo e não apenas um baú de armazenamento passivo e controlado das nossas experiências, fico em dúvida se de fato aumentamos apenas um ponto ou se reinventamos um mundo. Considerando a “imaginação criadora” de Bachelard, que se opôs a “imaginação reprodutora”, priorizada pela tradição filosófica racionalista, creio que mais do que recontar fatos de uma história, nós recriamos um mundo a partir da história que ouvimos. Segundo Maria Paula M. S. Bueno Perrone em seu texto “A Imaginação Criadora”, Bachelard definiu a “imaginação criadora” como “a essência do espírito humano, que de modo dinâmico torna o homem capaz de produzir tanto ciência quanto arte, ou seja, o pensamento e o sonho” e “ que traz as sementes das transformações”. O que se opõe a ideia da “imaginação reprodutora” em que “a imagem seria um resíduo do objeto percebido retido na memória, portanto apenas uma reprodução da realidade, constituído de idéias feitas e acabadas que justificam o mundo tal como ele parece ser, um mundo de ilusões.
A partir de Bachelard, podemos pensar que ao ouvir uma história as imagens do fato narrado se constroem em nossa mente a partir das nossas referências sob a ação da nossa imaginação criadora. Isso faz com que a história ouvida seja diferente da história contada. Assim, quem conta uma história, por mais que se esforce em descrever a ambientação, os personagens etc, não conseguirá desenhá-la na minha memória ipsis litteris. Esse desenho é meu e será a partir dele que irei narrar essa história para outra pessoa.
Creio que seja aí que o mistério se dê! Como um deus Shiva, nossa memória destrói o mundo apresentado e reconstrói dançando com a imaginação.
Assim, ao recontar a história ouvida e decodificada, apresentamos um mundo recriado com base na estrutura narrativa do conto e por meio das imagens que a nossa imaginação recriou em nossa memória.
Se minha imaginação for muito aguçada, ao narrar a história recriarei os contos com muitos pontos a mais. Se não for tanto, pode ser até que os diminua um pouco. Mas, certamente o ouvinte poderá se alimentar com minha narrativa, pois o que se dá entre minha boca e seu ouvido depende não só da minha imaginação, mas da dele também!

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